A mãe entra na escola, fumaçando, e pede para falar com a professora. Sua filha, da Educação Infantil; ela foi à escola reclamar porque a
professora havia soltado o cabelo de sua filha e penteado de forma a
manter os cachinhos soltos e visíveis. "Mas o cabelo de sua filha é tão
lindo! Por que não solta?" a resposta, estarrecedora: "Porque não quero ela com esse cabelo horroroso solto por aí!"
Bem, essa história é real. Aconteceu lá na escola, enquanto vivenciávamos o Projeto. Entre tantas outras, serve para ilustrar o porquê se faz tão necessária uma intervenção pedagógica nesse sentido: as discussões sobre racismo, sobre exclusão, sobre tipos físicos diferentes deve existir ainda que isso desacomode escola e professores. Ainda que não queiramos sair da zona de conforto. O terceiro Milênio não acomoda mais estruturas e discursos próprios da relação entre Casa Grande e Senzala.
Algumas questões emergiram com mais força durante a vivência, e sem
dúvida o racismo foi a primeira delas. Racismo de todos os lados, de
todas as formas, em todos os discursos. Não tínhamos ilusões quanto a
isso, mas pessoalmente eu não esperava tanta força quando eram feitas as
colocações contra a cultura afrodescendente. De qualquer modo, os
professores tiveram boas oportunidades para trabalhar bem essa questão.
Observei também muita assimilação do discurso racista dominante, por parte dos alunos. A questão é: o que a escola tem feito com esse discurso? Tem discutido o preconceito ou tem simplesmente perpetrado as formas tradicionais de racismo? O que eu, professor, tenho feito de meu aluno: um questionador desses padrões ou um mero repetidor e propagador dessas posturas preconceituosas?
De qualquer modo, valeu a vivência, pois pudemos observar que os alunos, de modo geral, despertaram para as questões raciais e se tornaram curiosos, provocadores e exploradores de questões como a que um aluno me fez ao observar o trabalho de seu professor em sala. Ao ver a história do samba, como ele havia surgido nos morros cariocas após a expulsão dos negros alforriados dos cortiços, um aluno me perguntou: "E aqui, professora? o que aconteceu com os negros depois que foram libertos? Foram morar aonde? Trabalharam de que?"
No próximo dia 20 de novembro será o Dia da Consciência Negra. Espero, firmemente, que o projeto tenha servido para despertar essa consciência em nossos alunos.